Você Mora no Exterior, Mas Onde Você Realmente Pertence?

A decisão de construir uma vida no exterior é frequentemente celebrada por suas conquistas visíveis: a carreira internacional, a aparente segurança, as novas experiências. No entanto, por trás dessa fachada de sucesso, reside um paradoxo, uma ansiedade interna que muitos expatriados conhecem bem: a insegurança sobre o próprio talento em um mercado competitivo, o medo constante de falhar e ter que retornar, e a sensação de não pertencer 100% a lugar nenhum.

A comunidade brasileira no exterior já ultrapassa os 4.5 milhões de pessoas, segundo as estimativas de 2022 do Ministério das Relações Exteriores. O que os números não mostram é a complexidade da jornada psicológica por trás de cada mudança. De acordo com o relatório “Mind Health Report 2024” da AXA, entre trabalhadores não nativos, os números são alarmantes: 80% relatam sintomas de saúde mental como resultado do ambiente de trabalho, com quase metade (49%) sofrendo de burnout. A pressão por performance se une ao desafio da adaptação.

Para os recém-chegados, o desafio é o "choque cultural" agudo. Para os de longa data, a dor se torna mais sutil, e a pergunta "Onde é o meu lugar?" pode se tornar uma crise de identidade crônica.

Neste cenário, um terapeuta local, por mais competente que seja, só enxerga metade da história. Ele pode não entender o peso da palavra "saudade" ou a complexidade das obrigações familiares que, mesmo a milhares de quilômetros, continuam a exercer uma força em suas decisões. Pode interpretar sua dificuldade em dizer "não" diretamente sem compreender a característica cultural comum para os brasileiros de evitar o conflito.

Na minha prática, acompanhando brasileiros que residem do Japão aos Estados Unidos, de Portugal à Bélgica, tenho a oportunidade de testemunhar a singularidade de cada jornada. E embora as histórias sejam únicas, percebo que temas universais emergem: a busca por um espaço seguro para construir uma nova identidade que seja coesa e forte.

É um trabalho onde podemos explorar os desafios de se relacionar com culturas diferentes, lidar com os preconceitos, e abrir espaço para um entendimento profundo dos seus próprios desejos e medos, que muitas vezes são silenciados pela necessidade de adaptação.

Podemos nos afastar geograficamente de nossa terra natal, mas é impossível nos afastarmos de nós mesmos. A questão, então, não é onde você mora, mas como você habita a si mesmo. Como você tem cuidado do único território onde você nunca deveria ser um estrangeiro?

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